Luis Fernando Cerri

A REFLEXÃO DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR – A EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DE HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL NA UEPG
Luis Fernando Cerri
UEPG


Os historiadores estudam, discutem e escrevem história. Ao fazê-lo, uma série de operações está posta, e normalmente não são autoconscientes. É preciso parar e pensar sobre essas operações que subjazem à historiografia para que possam ser definidas e submetidas a exame. Mesmo o historiador mais entusiasta de uma postura científica a posteriori, mesmo aquele que rechaça completamente o fazer do saber história como ato de razão e ciência, traz consigo uma concepção teórica que se reproduz e modifica-se ao longo da experiência da historiografia. A teoria da história é pressuposto e consequência da historiografia, e nesse trânsito de um a outro polo, pode gastar-se, agregar, crescer, transformar-se.  A teoria pode estar subjacente e até mesmo não ser reconhecida como tal – quando o historiador identifica os fatos e documentos à própria história, que resta apenas escrever, por exemplo – mas também pode ser reconhecida e considerada, e neste caso estamos diante da reflexão teórica relativa ao fazer historiográfico. Isso é comumente reconhecido na comunidade dos historiadores. Menos conhecido ou reconhecido é o elemento didático. Tanto as facetas teórica e didática do trabalho do historiador já foram elididas por vertentes da historiografia que procuraram colar seu trabalho à ciência em suas concepções mais tradicionalmente modernas, ou seja, ganhar um espaço na constelação das ciências reconhecidas dentro do paradigma moderno, cartesiano, newtoniano e/ou metódico. Nesse paradigma, a teoria não merecia espaço por aproximar-se demasiadamente da atividade especulativa da filosofia, por distrair ou desfocar o nexo central da cientificidade da historiografia, que era o seu método, e por recolocar uma questão vencida, a da verdade histórica e das condições de sua produção e enunciação. Também a didática não deveria merecer espaço, pois aproximava perigosamente a atividade do historiador de gabinete, isolado do vulgo e da voragem do contemporâneo e suas paixões, da atividade do professor, envolvida com demandas ideológicas e educativas imediatas, e com a lida a puerilidade dos seus interlocutores. A teoria há várias décadas já passa pelo porteiro dos salões da cultura histórica acadêmica sem deter-se, é recebida com um aceno afável e chamada pelo nome. A didática por vezes é barrada na porta. Quando entra, é após longo e detido exame do porteiro, olhada de alto a baixo, e não poucas vezes se pede que ela sacuda o pó de giz e limpe os pés sujos de barro, e ainda que se comporte ao entrar no sagrado recinto, e de preferência que use outro nome. Lá dentro, entretanto, tem encontrado progressivamente mais amigos entre os convivas, que reprovam as humilhações que o clube ainda a faz passar até que seja reconhecida.

Tanto a reflexão teórica quanto a reflexão didática são, portanto, inerentes à historiografia. Nesse texto, destacaremos a segunda. Para Klaus Bergmann (1990), a reflexão didática na história se caracteriza pelo objeto (referido ao ensino e à aprendizagem), pela preocupação com os conteúdos de ensino enquanto tema de análise e por investigar seu objeto do ponto de vista da prática da vida real. Esse movimento reflexivo essencial é o âmago da disciplina da didática da história, que é uma das frentes da teoria da história que investiga o que é, o que poderia e o que deve ser transmitido no que se refere à história, do ponto de vista da ciência (BERGMANN, 1990, p. 29). Ao pensar em ensino e aprendizagem, Bergmann não se restringe às paredes da sala de aula ou aos muros da escola, mas pensa em ensino e aprendizagem como todas as situações em que o conhecimento histórico é produzido, transmitido e assimilado.
           
Como a teoria da história, portanto, a reflexão didática é inerente ao trabalho do historiador, e pode ou não ser consciente, e receber a devida atenção. Não há profissional de história sem reflexão didática, o que há é profissional inconsciente de suas concepções nesse campo, e geralmente, nesse caso, as concepções são bastante tradicionais e superadas. O padrão dessa perspectiva obsoleta é o esquema biunívoco em que, na divisão social de tarefas, o historiador/ academia produz o conhecimento que o professor/ escola transmitirá, e a comunicação se da por um canal (deferente) de simplificação e adaptação da linguagem. Esse esquema não encontra nenhuma correspondência empírica na pesquisa educacional contemporânea, e ainda menos nos estudos atuais de historiadores sobre o ensino da história. A escola não é ensino, a sala de aula não funciona assim, os professores e estudantes imaginados assim não existem, entretanto essa representação segue firme numa expressiva parcela da academia e do próprio sistema educacional. O profissional de história envolvido nessa representação concebe que a reflexão e a ação didática são delegadas a um profissional específico; assim, historiador historia e professor professa, o primeiro isolado das lides de comunicar-se com os não especialistas, e o segundo isolado das lides  de perscrutar documentos e bibliografia técnica em busca da compreensão do real. O primeiro, aqui, fornece o sentido, enquanto o segundo fornece a comunicação. Ao invés, a comunicação da pesquisa acompanha o historiador em todo o seu trabalho. O que acontece é que o partidário (geralmente silencioso) dessa concepção tem como dialogante prévio, estimado, imaginado, carregado consigo em seu trabalho cotidiano, no arquivo, no gabinete ou nas reuniões, geralmente é um arquétipo apenas dos companheiros de corporação, partícipes de suas referências e jargão.

O esquema descrito acima é confortável e conveniente, mas ilusório. Em termos de proficiência do historiador, é relevante ter consciência dos parâmetros da própria reflexão didática, dada a dimensão comunicativa que está posta no seu trabalho. A pesquisa é feita para ser comunicada. Ela tem destinatários mesmo antes de ser executada, que aparecem como potenciais dialogantes, e o historiador, em seu trabalho, prepara-se para comunicar com os destinatários que conhece ou que imagina, nas palestras, entrevistas, publicações, que são (ou deveriam ser) ambientes naturais para o historiador. Mas também é relevante a autoconsciência dos próprios padrões de reflexão didática porque a ampla maioria dos profissionais de história alberga-se no ensino, básico ou superior, em que exerce a docência, como condição contratual e trabalhista para que também pesquise, financiado pela sociedade, diretamente ou através do poder público. Se os profissionais da história forem conscientes da reflexão didática, tem mais chances de ser atentos à própria prática pedagógica e comunicativa em geral.

É nesse ponto que deveremos nos deter sobre o aspecto propedêutico da reflexão didática, situando-a na formação profissional. Os cursos de formação de professores de história, as licenciaturas, são a ampla maioria dos cursos de história no Brasil, e neles existem diversos modelos de inserção da reflexão didática (por sua vez também concebida diferentemente conforme o caso). Defendemos, em trabalhos anteriores (FERREIRA; CERRI, 2012 e CERRI; FERREIRA, 2012) que o componente da reflexão didática deve estar disseminado por todas as disciplinas e eixos curriculares nos cursos de licenciatura, mas também precisa ter um lugar estabelecido nos cursos de bacharelado em história (CERRI, 2008). Variados modelos e propostas são verificados nos currículos universitários de história no Brasil, sobretudo a partir de 2001, em que a legislação pertinente impulsionou o eixo da prática como componente curricular.

Elementos da reflexão didática com exemplos da história antiga e medieval
O modelo de currículo da licenciatura em história da UEPG procura mesclar a existência de um eixo de disciplinas dedicadas à reflexão e ao exercício didático (prática de ensino e estágio supervisionado) com a disseminação de tarefas de reflexão didática por todo o currículo. Diante das avaliações que foram desenvolvidas ao longo da caminhada de implantação dessa proposta (ver FERREIRA; CERRI, 2012), surgiu a proposta de aproximar os conteúdos curriculares específicos da tarefa de reflexão didática, e assim surgiram disciplinas, para além das atividades gerais em prática de ensino  (Oficinas de História I a III) e estágio (Estágio Supervisionado em História I e III), as Práticas de História Antiga e Medieval, Prática de História Moderna e Contemporânea e Prática de História do Brasil. A disciplina de Prática de História Antiga e Medieval teve seu primeiro programa e execução sob responsabilidade do autor, ao longo de 2013, e novamente em 2014. A disciplina é destinada aos estudantes da segunda série (terceiro e quarto semestres) da licenciatura em história da UEPG. Na sequência, procuraremos detalhar alguns elementos, formas e conteúdos que a reflexão didática pode assumir, a partir das experiências desenvolvidas na formação de novos profissionais em história.

A didática da história é reivindicada como uma disciplina da teoria da história por Klaus Bergmann, mencionado acima. Esse postulado é corroborado quando se defende que a reflexão didática, trabalho da didática da história, é uma reflexão sobre a natureza do conhecimento em tela, sobre seu surgimento e suas condições de validade. Nesse sentido, a didática da história perfaz um esforço epistemológico distinto, que em vez de dirigir-se à ciência, dedica-se às condições de produção, disseminação e assimilação dos enunciados fora dos espaços acadêmicos, na plena luz da vida prática, atenta ao fenômeno humano da aprendizagem e do ensino, ou seja, o fenômeno didático (vide CHEVALLARD, 2009). Não é incomum encontrar conteúdos escolares que tenham sido motivados e sistematizados primeiramente entre não especialistas, em vez dos eruditos. Nesse sentido, a reflexão didática da história percorre os caminhos da história da educação, mais especificamente a história das disciplinas escolares (CHERVEL, 1990), articulada com os caminhos da história da ciência, no nosso caso, a análise historiográfica. Cumpre destacar que, neste sentido que buscamos, a história da disciplina está em sua maior parte por fazer-se, já que o foco específico da constituição e da tradição seletiva dos conteúdos não tem sido privilegiado nas pesquisas atuais.

Esses debates tornam propício que o profissional em formação reflita, por exemplo, sobre o que oportunizou o surgimento da disciplina de história, acadêmica e escolar. Parte das respostas, poderá encontrar em “A oficina de História”, de François Furet (s.d.), que identifica a aproximação das tradições filosófica e antiquaria, confluindo para a constituição de um objeto e, a partir daí, a possibilidade de seu estudo e ensino. Mais especificamente, discutir-se-á de onde vem o nosso interesse por história antiga, como ela aparece como tema relevante para a escola. Acompanhando a ascendência cultural francesa sobre o Brasil imperial, Circe Bittencourt fornece importantes pistas de como os conteúdos da antiguidade se tornaram relevantes desde o momento em que a história sagrada rivalizava com a história profana (BITTENCOURT, 1992/1993). Pode-se discutir como a história antiga interessava aos conservadores brasileiros de então, por suas referências bíblicas e pelo ensino católico (oficial) da história sagrada, e ao mesmo tempo aos liberais, por meio de seu discurso classicista de negação da idade média, por exemplo. Os trabalhos da disciplina conduzem a problematizar também, por exemplo, como surge, se expande e por fim se estabelece como área de ensino e pesquisa o interesse pelo Egito antigo. Isso implica discutir o próprio o contexto do século XIX, com expansão imperialista europeia para o norte da África, a famosa campanha de Napoleão no Egito, as narrativas dos achados arqueológicos decisivos de Champollion e a egitomania de princípios do século XX, no embalo da descoberta da tumba de Tutancâmon por Howard Carter. A crítica aos usos sociais conservadores da história antiga também estão presentes (FUNARI, 1998, 2008). Em sentido parecido, acompanhamos o debate pedagógico sobre a representação da Idade Média como idade das trevas, superada na historiografia, mas persistente no ensino (OLIVEIRA, 2010; SILVA, 2011).

Todos esses percursos formativos acima visam desnaturalizar o conteúdo histórico escolar. Se o conteúdo não for desnaturalizado para o futuro professor (quais os sujeitos, grupos, contextos, condições de produção do conhecimento, etc., explicam a transformação de um determinado conhecimento histórico em conteúdo escolar), jamais o será com o seu futuro aluno, e enquanto isso não ocorrer, ele estará perdido para um efetivo repensar dos conteúdos históricos escolares a partir de uma profunda análise coletiva, de especialistas e não especialistas interessados na educação pública, das demandas atuais sobre o conhecimento. Tenderá a continuar pensando que a educação pública deve servir ao conhecimento histórico primeiro para depois servir a si mesma, e não o contrário. A legitimidade da história ensinada é primeiro social, para depois ser científica.

A reflexão didática é ainda uma reflexão sobre os temas e conteúdos da disciplina de história no universo cultural que o aluno partilha e participa: livros, discussões em blogs e redes sociais, cinema, jogos de computador (cada vez mais se configurando como filmes interativos). Debruçar-se sobre esses elementos é uma dupla vantagem para o professor: permite a vislumbrar quais são os pressupostos com os quais se defrontará na sala de aula. Permite ainda, desde a clareza de que o aluno não é um recipiente vazio, reconhecer a urgência de identificar o que já há no estudante, o que ele já traz, sob pena de, não sendo miscível ou reagente com o que já lá está, transbordar e ser descartado. A reflexão didática na história também se configura como uma reflexão sobre as correlações entre os avanços da disciplina de história, nas temáticas específicas em foco, e sua relação com as perspectivas do ensino, expressas nas dimensões da escola: o currículo, o material didático, a prática de ensino. Esse trabalho deve superar a visão simplista que enxerga “currículos atrasados” ou “atualizados” e dotar o profissional, a um tempo, de respeito e de disposição para agir sobre a complexidade do fenômeno educativo em história.

Por fim refletir didaticamente exige o esforço para conhecer, discutir e pensar a situação atual do efetivo ensino de história nas escolas: o que os professores ensinam e o que os alunos aprendem, e quais os meios para que isso seja verificado. Análises dos resultados dos vestibulares e do ENEM, por exemplo, são um conteúdo/ uma atividade que não deveria faltar nos cursos de história. Apenas com um diagnóstico atualizado desses elementos se constituem propostas relevantes de melhoria educacional.

Últimas palavras
A reflexão didática desmistifica o currículo escolar de história, abrindo amplas avenidas para a sua crítica e revisão. O profissional de história assume papéis, então, de assessoria à sociedade, em busca de melhores configurações para o ensino da história na educação, concebida como tarefa social e regulada no espaço público. Ao contextualizar tanto o currículo quanto o mundo da vida prática em que os conteúdos e conceitos são e serão colocados em ação, possibilita pensar o ensino como prática dialógica, e antecipar as estratégias e objetivos desse diálogo. Sem reflexão didática, o profissional de história resume-se a um passageiro da transposição didática, cujas dinâmicas ignora.

REFERÊNCIAS
BERGMANN, K. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 19, p. 29 - 42, fev. 1990.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina escolar: da história sagrada à história profana. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26,  p. 193-221, set.92 / ago.93.
CERRI, Luis Fernando; FERREIRA, Angela Ribeiro. A formação do profissional de história na Universidade Estadual de Ponta Grossa. In: MOLINA, Ana Heloísa et. al. (orgs.). Ensino de história e educação: olhares em convergência. 1ed. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2012, v. II, p. 155-176.
CERRI, Luis Fernando. Os historiadores precisam de formação pedagógica? Algumas reflexões a partir da Didática da História. In: TRAVERSINI, Clarice; EGGERT, Edla; BONIN, Iara. (orgs.). Trajetórias e processos de ensinar e aprender: lugares, memórias e culturas - Livro 2. 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 342-358.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Porto Alegre, Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990.
CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica. Del saber sabio al saber enseñado. Trad. Glaucia Gilman. Buenos Aires: Aique, 2009.
FERREIRA, Angela Ribeiro; CERRI, Luis Fernando. A prática de ensino como elemento articulador na formação de professores: a experiência da Oficina de História. In: GOES, Graciete Tozetto; CHAMMA, Olinda Thomé. (Org.). Arquitetura da Prática: interação do saber-fazer nas licenciaturas. 1ed. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2012, v. 1, p. 125-136.
FUNARI, P. P. A. Poder, Imposição, Posição no Ensino de Historia Antiga: da Passividade forçada à produção de conhecimento. São Paulo, Revista Brasileira de História, v. 15, p. 257-264, 1988.
FUNARI, P. P. A. A renovação da História Antiga. In: KARNAL, L. História na sala de aula: conceitos, prática e propostas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 95 - 108.
FURET, François. A oficina da história. Lisboa: Gradiva, s.d.
OLIVEIRA, Núcia A. S. de. O estudo da Idade Média em livros didáticos e suas implicações no Ensino de História. Cadernos do Aplicação, Porto Alegre, v. 23, n. 1, jan./jun. 2010.
SILVA, Edlene Oliveira. Lições sobre a Idade Média: representações do medievo nos livros didáticos de ensino fundamental. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História. 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC. Disponível em http://abeh.org/trabalhos/GT10/tcompletoedlene.pdf. Acesso em 12/02/2014.


PERGUNTAS

Trabalho interessante ao sair um pouco do abstrato e da mera
narrativa. Quais foram as maiores dificuldades na realização desse
tipo de trabalho? por Rodrigo Lage

Olá Max, obrigado pela pergunta. Acho necessário reafirmar que a pesquisa histórica apoiada financeira e materialmente pelo poder público (quer dizer, não como atividade privada e muitas vezes diletante) tende (ressalvados casos específicos) a decorrer do interesse educativo do Estado. Imaginar que a legitimidade científica de pesquisar história independe de sua legitimidade social é um indício de quanto o auto-centramento de grande parte de nossa comunidade de historiadores dificulta a interpretação da realidade mais ampla, além da comunidade acadêmica. Discutir esse enviesamento implica pensar, por exemplo, o que seria da pesquisa histórica sem financiamento público da pesquisa e do ensino em nível superior. Esse financiamento só existe porque a história tem - ainda - legitimidade social. E isso costuma ser lembrado poucas vezes dentro da comunidade de historiadores, especialmente em situações de debate público em que a opinião do historiador é negligenciada, ou seja, quando se evidenciam as crises de legitimidade social da história. Precisamos favorecer na comunidade de historiadores e nos cursos de história, uma visão que dê conta, cientificamente, da relação entre academia e sociedade, entendendo que nossa situação é sempre precária e depende sempre de uma análise de conjuntura por parte dos historiadores, e do diálogo constante com essa conjuntura, inclusive na forma das diversas militâncias em favor da disciplina de história e da pesquisa histórica. Em outros termos, o historiador olhando o meio em que vive, pensando no papel da história e em seus fluxos de transmissão e recepção, ensino, aprendizagem e usos, e interferindo nesse meio a partir da sua competência, é nada mais, nada menos, que o exercício da reflexão e da ação didática da história. Na mesma linha de raciocínio, cabe ao historiador que se especializa na reflexão didática, a mesma militância, adicionada a uma ação científica competente dentro da área de história. Creio que cabe seguir o exemplo dos colegas que se dedicam à teoria da história, que não fazem historiografia, com os didatas, mas tem seu foco de estudos reconhecido como importante por todos os historiadores. A fórmula que procuro executar em meu departamento é: produzir pesquisa de qualidade, criar grupo de historiadores didatas e orientandos, publicar, participar dos debates acadêmicos e políticos do departamento e da entidade (ANPUH), enfim, construir politica e academicamente o espaço do ensino dentro da área de história. Por isso defendo também que o lugar do estágio e da prática de ensino é dentro do departamento de história ou estrutura correspondente.


5 comentários:

  1. Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski14 de maio de 2015 às 05:42

    Professor Cerri, a questão do currículo de História é tema que deveria ser alvo de maiores reflexões, em minha opinião. Ainda ouvimos a máxima de professores/as de que "devemos vencer os conteúdos" e por isso as abordagens em sala de aula não podem se modificar muito e a metodologia da aula expositiva (dialógica ou não, acompanhada de recursos audiovisuais ou não) e a prova escrita como sistema de avaliação é a forma mais adequada para superar o problema do tempo para tantos conteúdos. Há a resistência para mudança nos currículos devido aos temas consagrados e devido ao argumento de que materiais didáticos não suprem as carências para outros temas ou outras abordagens. É possível vislumbrar uma mudança nessas concepções?

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    1. Olá, Dulceli. Há menos pressão, principalmente nas escolas públicas, de que o currículo seja cumprido de uma forma rigorosamente pré-definida. Os próprios currículos, hoje, tem um grau maior de flexibilidade. Penso que esse currículo ao qual muitos nos agarramos é na verdade a adesão a um projeto de ensino de história que teve vigência em outro tempo, mas não tem mais relação com a realidade atual. Insistir que esses tópicos são indispensáveis é uma auto-armadilha para permanecer em um mundo seguro e auto-justificado, já que a inovação impõe doses incômodas de insegurança e de desinstalação.

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  2. Rafael Moura Roberti15 de maio de 2015 às 05:58

    No início de seus texto você fala que os historiadores estudam, discutem e escrevem a história. Na sua resposta ao colega Max você separa os professores dos "historiadores de historiadores". Você considera as coisas dessa forma ou é só em relação aos didatas, como você diz?!

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    1. Olá, Rafael, na verdade não falo em "historiadores de historiadores", textualmente. Esclarecendo: acho que todos somos profissionais de história que têm diferentes campos de atuação (museus, escolas, formação de professores ou formação de bacharéis) e/ou de especialização (historiadores de algum recorte cronológico ou temática específica, historiadores que se dedicam à teoria, historiadores didatas). Todos e cada um precisam saber que todos os outros campos além daqueles em que atua ou se especializa o constituem, essencialmente. Da mesma forma que não posso atuar decentemente no mundo atual como historiador (didata, no meu caso) ignorando as discussões sobre a teoria da história (não posso inventar uma teoria da história para mim ou ficar com aquela que aprendi ou vivi há 30 anos), do mesmo modo todos os colegas deveriam ter a clareza de que não podem ignorar a didática da história em suas discussões atuais.

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  3. Rodrigo Lage, creio que a maior dificuldade nesse tipo de trabalho com a reflexão didática sobre a história antiga é o pouco acúmulo de reflexão e de publicações sobre esse recorte específico. Há algo na bibliografia estrangeira, e pouca coisa no Brasil, apesar de alguns autores pioneiros, principalmente historiadores da antiguidade e período medieval com preocupação com o ensino e a aprendizagem.

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